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Breve História das Matryoshkas

A matryoshka, assim como a vodca, bliny com caviar e o longo inverno gelado, tornou-se um verdadeiro ícone nacional da Rússia, souvenir obrigatório na bagagem de todos os estrangeiros que visitam o país.
Trata-se de uma bonequinha de madeira – normalmente de tília – que abre ao meio e tem dentro outra menor igual, que por sua vez contém outra que também abre com mais uma, igualmente recheada com outras cada vez menores, numa seqüência que varia de cinco, o número mais comum e tradicional, a trinta ou mais. Nas matryoshkas mais refinadas, verdadeiras obras de arte, a menorzinha mede em geral entre dois e três milímetros, e a maior chega a quarenta centímetros. Todas são pintadas a mão, sendo as de melhor qualidade sempre assinadas pela autora.

Apesar de seu papel de destaque no riquíssimo artesanato em madeira da Rússia e de algumas versões do brinquedo já serem conhecidas no país desde o século XVII, as matryoshkas têm sua origem no Japão e apareceram apenas recentemente na arte folclórica russa: há pouco mais de cem anos. Em 1890 um protótipo do brinquedo, representando um sábio budista, foi trazido do Japão e presenteado à legendária família de comerciantes Mamôntov, grandes patrocinadores das artes no virar do século. Usando a boneca japonesa como modelo, o artesão Vassily Zvyôzdotchkin e o pintor Serguei Malútin criaram então a primeira matryoshka russa, batizando-a apropriadamente com uma variação do nome russo Matryona, que deriva de mat’ (mãe). Apresentada ao mundo com grande sucesso no pavilhão do Império Russo na exposição internacional de 1900 em Paris, desde então a matryoshka vem ocupando legiões de artesãos ao longo de sua movimentada história.


Usurpada dos artesãos profissionais de qualidade para serem feitas em massa em linhas de produção quase industriais entre os anos 30 e 80, a famosa bonequinha passou por um fabuloso renascimento artístico ao longo da última década, com o fim da produção estatal em massa e o desaparecimento do rígido controle soviético sobre qualquer forma de empreendimento privado. Estimulados pela liberdade recém adquirida e pela imensa demanda garantida, os artesãos passaram a criar à vontade numa enorme variedade de expressões artísticas. Surgiram matryoshkas com ilustrações de contos populares russos e cenas da vida quotidiana, desenhos em temas religiosos imitando ícones e mesmo políticos, representando caricaturas dos sisudos líderes soviéticos do passado. Também a técnica se aperfeiçoou, aparecendo matryoshkas pintadas em guache e aquarela, com ornamentos dourados e detalhes feitos com pirografia, revestidas por até três camadas de verniz ou laca, às vezes pintadas a quente.


Entre as escolas mais tradicionais, não é Moscou, e sim a cidade de Sérguiev Possad, a 70 km da capital, a líder absoluta na produção de matryoshkas. Desde que o santo ortodoxo Sérgio de Rádonezh, fundador do mosteiro em torno do qual a cidade se desenvolveu e do qual tirou seu nome, começou a fabricar brinquedos de madeira no século XIV, Sérguiev Possad é conhecida como a capital dos brinquedos na Rússia. Entre outros centros produtores estão as cidades de Semyônov, Merinovo, Polkhov Maydan e Vyatka, cada uma delas com sua peculiaridade. Quem estudou as técnicas de pintura de cada região reconhece à primeira vista a origem de uma determinada matryoshka. Segundo a especialista em arte folclórica da Fundação do Artesanato da Federação Russa Nina Shabálova, o estilo de Sérguiev Possad é sempre baseado num retrato realista, mas interpretado de maneira diferente segundo a época.

“Uma matryoshka não é simplesmente um brinquedo, mas uma expressão da visão de mundo e artística do artesão que a pintou.”- acrescenta Shabálova – “Na realidade, as matryoshkas sempre corresponderam à época em que foram criadas. Os mestres-artesãos não fazem uma mera decoração da boneca, eles tentam imbuí-la de um significado mais amplo e retratam fenômenos da vida real.”